Pipeiros se mobilizam para exigir mudanças no Sistema Gpipa e nos valores dos fretes
- Mandaracu Online
- 18 de nov. de 2017
- 8 min de leitura
Os motoristas de carro pipa, pipeiros como são chamados, são os principais responsáveis por levar grande parte da água que abastece as comunidades do sertão nordestino que estão localizadas longe das fontes de água e rios que cortam os estados do Nordeste Brasileiro. Eles iniciaram uma grande mobilização que se iniciou no Estado do Ceará pedindo mudanças no Sistema Gpipa e revisão dos valores pagos pelas carradas d'água transportadas.

Entenda a Operação Pipa
O Sertão Nordestino é a região brasileira que apresenta o menor índice pluviométrico de todo o país impondo ao nosso povo sertanejo uma grande escassez de água e uma distribuição irregular das chuvas, tanto que o sertão está passando por uma das secas mais prolongadas já registradas. É neste ambiente difícil e hostil que vive o povo sertanejo, lutando diariamente pela sua sobrevivência e pela sua independência econômica das garras governamentais.

Atividades cotidianas como fazer a higiene pessoal, lavar roupa ou, inclusive, beber água se tornaram um luxo no sertão, que se estende por oito estados do país. Dos 25 milhões de habitantes, pelo menos três milhões sofrem com o desabastecimento total de água, um milhão deles no Ceará, segundo cifras do governo deste estado. Distante da recomendação da Organização Mundial de Saúde - que considera necessário 100 litros de água ao dia por pessoa - a água chega a conta-gotas nestas comunidades ligadas por estradas de terra como Nova Canaã, onde as torneiras já são decorativas. Desde que a seca se intensificou, o governo começou a levar água gratuitamente para estes locais em caminhões-pipa, estimando um consumo de apenas 20 litros diários por pessoa, insuficiente para o desenvolvimento destas comunidades.
A Transposição do Rio São Francisco é uma obra de importância fundamental para levar água para o sertão, mas por si só é insuficiente para cumprir sua finalidade. A grande maioria das comunidades estão longe do eixo da transposição e não possuem recursos para financiar o transporte da água até as suas residências, além do que as adutoras que estão sendo instaladas para levar abastecer a todo o sertão até o momento são insuficientes para a tender a grande demanda.

É neste momento que entram os pipeiros exercendo importante papel no transporte da matéria prima da sobrevivência do nordestino, a água. Todos aguardam ansiosos pela chegada deste transportador de vidas para abastecer as cisternas em suas casas e prorrogar sua sobrevivência nesta área semi árida de nosso nordeste. Há relatos de quando os pipeiros aproximam-se da comunidade os animais sentem a chegada da água e vão até o caminhão pipa aguardando o liquido que traz vida para alentar seu sofrimento.
A Operação Pipa teve seu início no ano de 2003, após a promulgação da Lei nº 10.638, de 6 de janeiro de 2003 (implementa o Programa Permanente de Combate à Seca-PROSECA), assinada pelo Presidente Lula. O Programa de Combate à seca sofreu várias modificações durante estas quase duas décadas de existência chegando ao modelo atual desde 2010.

A Operação Pipa atualmente
Há anos existe um convênio entre o Ministério da Integração, os Conselhos Municipais de Defesa Civil e o Exército Brasileiro para a implementação do Programa de Combate à Seca.
Os municípios tem papel importante no levantamento das necessidades e comunidades a serem atendidas pela Operação Pipa.

O Exército exerce o papel de gerente do Sistema, cabendo a ele a parte burocrática da efetividade da Operação e fiscalização da entrega da água e o Ministério da Integração é o responsável pelos recursos e fiscal do programa como um todo.
Os pipeiros passam por etapas de seleção extremamente exigentes sendo obrigados a apresentarem os devidos documentos de acordo com os editais de credenciamento e disponibilizarem seus veículos para vistorias técnicas e avaliação.
Após todas estas etapas ocorre um sorteio de todos aqueles pipeiros que foram aprovados no processo seletivo. Eles tem que aguardar o período que forem chamados caso sejam sorteados para poder efetivamente começar a trabalhar.
Os pipeiros tem que encher suas pipas nos locais determinados pelo Exército e seguir na rota previamente estabelecida para a entrega da água nas comunidades que foram atendidas pelo programa de combate à seca. E só podem realizar o trabalho de oito horas da manhã até às dezoito horas, de segunda à sexta-feira.
Entenda as pautas de reivindicações
João Avelanger de Souza, pipeiro da cidade de Cabrobó, sertão de Pernambuco, em entrevista exclusiva ao Mandacaru Online explicou os principais pontos das reivindicações solicitadas pelos profissionais da entrega da água.

Os valores pagos pelas carradas de água entregues pelos pipeiros às comunidades cadastradas permanecem estagnadas desde 2010, onde sofreram reajuste de alguns centavos ao longo desta quase uma década. Porém os gastos que os pipeiros tem para poder levar a água até os locais determinados subiram de forma constante ao longo do tempo, corroendo de forma sistemática o poder econômico destes profissionais.
O combustível utilizado pelos caminhões pipas, o Diesel, teve uma evolução em seu valor de R$ 2,005 o litro para mais de R$ 3,223 desde 2010 de acordo com os valores de referência disponibilizados no site da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP, um aumento de mais de 60% conforme gráfico abaixo.

Já a inflação durante estes quase oito anos corroeram de forma significativa o poder de compra dos pipeiros, impondo um forte corte de gastos com as despesas domésticas para sobreviverem, levando muitos profissionais a recorrerem a empréstimos para honrar com seus compromissos tanto com as contas de suas casas como alimentação, água e luz como para poder manter seus caminhões com a manutenção em dia para cumprir o contrato assinado junto ao Programa de Combate à Seca.
Segundo os indicadores disponibilizados pelo governo a inflação medida pelo IPCA desde 2010 até outubro de 2017 tem um resultado total acumulado neste período de quase 50%, conforme quadro abaixo.

Somente estes dois argumentos já somam uma degeneração nos valores pagos aos pipeiros de 2010 até hoje próximo ao percentual de 50%.
João Avelanger afirma ainda que se não bastasse os baixos valores pagos pelo serviço prestado eles tem que aguardar até mais de noventa dias para receberem em sua conta o crédito. Durante este tempo eles tem que tirar do próprio bolso o dinheiro necessário para arcar com todos os custos para o transporte da água contratada, valores estes que pagam o combustível e os insumos necessários para manter o caminhão rodando. Os Postos de combustíveis não dão este prazo para o pagamento do abastecimento realizado, o que acaba impondo aos pipeiros o financiamento próprio para seguir trabalhando no Programa ou tem que realizar empréstimos.
Outro problema levantado por João é a comunicação com os Escritórios do Programa, responsáveis pela parte burocrática de todo o sistema. Atualmente os pipeiros não estão conseguindo entrar em contato com estes escritórios e muitas vezes até mesmo com os Comandantes das Organizações Militares.
O Sistema de Monitoramento da Logística da entrega da água, o Gpipa, também é alvo de críticas dos pipeiros. Segundo João, o Gpipa apresenta muitas falhas que acabam prejudicando os profissionais. O Sistema é responsável pelo monitoramento desde o abastecimento da água, a rota realizada pelo caminhão e a entrega da água na comunidade cadastrada sendo finalizada com a afirmativa do responsável pela cisterna quanto ao recebimento da água.
O grande problema apontado pelos pipeiros é que o Sistema apresenta falhas e não estão computando as carradas realizadas, ficando sem receber os recursos pelo serviço prestado. João disse que mesmo quando os pipeiros tentam resolver o problema do Sistema instalado no caminhão acabam esbarrando na burocracia a que são submetidos, tendo que aguardar um técnico da empresa terceirizada responsável pela manutenção do aparelho estar disponível ou tem que se deslocar para cidades fora de suas localidades para tentar resolver o problema apresentado. Com isso eles não podem trabalhar durante estes dias em que aguardam o técnico ou arcam com os custos para deslocarem-se até outras cidades onde possam achar a solução, sem falar que as comunidades cadastradas no Programa ficarão sem receber sua água até que o pipeiro consiga a solução.


Pipeiros estão mobilizados
Os pipeiros estão se mobilizando há anos, pedindo solução para os problemas que estão em suas pautas, porém nesta ano onde o sertão nordestino entra em mais um ano de intensa seca as manifestações estão tomando maior vulto.
Grupos de pipeiros no Estado do Ceará decidiram cruzar os braços e realizaram várias mobilizações para chamar a atenção das autoridades públicas e apresentar seus problemas para que aja do poder público alguma abertura de canal de comunicação para iniciarem tratativas sobre as reivindicações dos pipeiros.
No Estado de Pernambuco no último dia dez de novembro vários pipeiros protestaram no Trevo do Ibó, entre as cidades de Salgueiro, Belém de São Francisco e Cabrobó, solicitando solução para os problemas que já foram apresentados diversas vezes. Eles bloquearam as rodovias BR 428, 116 e 316, evento coberto pelo Blog do Elvis.

Em Casa Nova na Bahia também houve protesto pelos pipeiros, interronpendo o trânsito na BR 235, onde militares foram até o local para ouvir as reivindicações.
Ontem durante a abertura da comporta que liga a Barragem de Muquém à Barra de Juá, no município de Floresta, interior de Pernambuco, foi entregue ao Ministro da Integração Jader Barbalho e ao Senador da República pelo Estado de Pernambuco Bezerra Coelho a pauta de reivindicações por uma comitiva de pipeiros do Estado de Pernambuco, do qual foi ouvido dos representantes do poder público que iriam se comprometer em resolver os problemas dos pipeiros.

João Avelanger falou que se coloca no lugar do sertanejo nordestino, pois teve sua origem nesta terra semi árida e todos os pipeiros tem consciência da importância qua a água tem pra todas as comunidades que são abastecidas pelo Programa de Combate à Seca, porém eles estão em uma situação de quase paralisação total por falta de recursos para manter todo o Sistema funcionando, pois estão há algum tempo tendo que tirar dinheiro que eles não tem para manter o serviço de entrega de água em pleno funcionamento e esperam que todas tenham compreensão e paciência até que seja solucionado os problemas.
João afirmou que os pipeiros pretendem se manter mobilizados e estarão realizando outras manifestações para chamar a atenção do poder público para os problemas enfrentados por eles e que espera que seja solucionado logo.
Nota de esclarecimento do Ministério da Integração:
Sobre a Operação Carro-Pipa Federal em Pernambuco, o Ministério da Integração Nacional esclarece:
1- A operação é executada por meio de uma cooperação técnica e financeira entre o Ministério da Integração Nacional e o Ministério da Defesa. Os recursos para o programa são do Ministério da Integração, mas sua execução, o que inclui contratação, seleção, fiscalização, pagamento dos pipeiros e o monitoramento, é de responsabilidade do Comando de Operações Terrestres do Exército Brasileiro (COTER). Sendo assim, o Comando poderá fornecer mais informações sobre o serviço em Pernambuco.
2- A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) do ministério busca constantemente aprimorar o Sistema de Monitoramento de Carros-Pipas em função do desenvolvimento dos serviços e solicitações dos pipeiros. Qualquer possível inconsistência operacional apontada é imediatamente apurada juntamente com o Exército Brasileiro, executor e responsável por esse monitoramento, conforme Art. 6º da Portaria Interministerial Nº 1, de 25 de julho de 2012. O processo de contratação é feito pelo Ministério, e cabe ao Exército, executor da operação conforme a legislação, a realização do monitoramento e averiguação. Eles estão em contato direto com a empresa e os pipeiros.
3-Sendo assim, o Exército estuda frequentemente eventuais necessidades de atualização do sistema. Esse procedimento é válido para todos os estados que são atendidos pela Operação Carro-Pipa Federal. O sistema é uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) para que a Operação Carro-Pipa Federal seja uma ação transparente.
4- Não há atraso nos pagamentos do Ministério da Integração Nacional à Operação Carro-Pipa Federal. Até em período de restrição orçamentária, o Ministério da Integração Nacional segue garantindo o abastecimento de água potável na área rural de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Minas Gerais. Até outubro de 2017, o Governo Federal já investiu R$ 716,47 milhões para atender 3,2 milhões de pessoas de 849 municípios em todo o país. A medida é uma ação prioritária do Governo Federal para atendimento à população que sofre com o longo período de seca e estiagem em todo país.
5- O Ministério está confiante e empenhado para que a ação, tão fundamental à população, seja normalizada o mais rápido possível em Pernambuco para continuar o atendimento com a regularidade que tem sido mantida nos últimos anos.
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