Agenda ambiental do próximo governo não é só prejudicial ao país, mas uma ameaça ao planeta
- Mandaracu Online
- 12 de nov. de 2018
- 10 min de leitura
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, José Eustáquio Diniz Alves aponta que as maiores ameaças (do governo eleito) estão nos campos de direitos humanos e ambiental. “A agenda ambiental do presidente eleito é prejudicial não só ao Brasil, mas é uma ameaça ao planeta”, aponta. E completa: “o governo Bolsonaro, tudo indica, deve reforçar o setor produtivo do agronegócio e da mineração, podendo, também, de uma forma ou de outra, favorecer as atividades dos grileiros, dos bandidos que se apossam das terras públicas e dos garimpeiros ilegais”.

José Eustáquio ainda chama atenção para o que denomina “efeito bumerangue” que pode se voltar contra o Brasil ao negar acordos climáticos e apostar nas commodities agrícolas e minerais. “Perder os próximos quatro anos pode significar perder uma oportunidade histórica para tentar salvar o equilíbrio homeostático do clima e garantir um futuro”, resume.
Especificamente sobre mineração, destaca a volta de alguns mitos, como o de fazer o Brasil rico através da extração de nióbio, mineral usado principalmente em ligas de aço para a produção de tubos condutores de fluidos. “A dita salvação pelo nióbio é a atualização do mito do Eldorado”, dispara. Isso porque acredita que “os ciclos de exploração mineral e natural podem enriquecer alguns, mas não sustentam um projeto de nação”. “Os países ricos são aqueles que contam com uma ampla rede de trabalho produtivo e uma população educada e com alto investimento em ciência e tecnologia”, completa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua avaliação do resultado das eleições presidenciais?
José Eustáquio Diniz Alves – O resultado foi surpreendente em muitos aspectos. Mesmo sabendo das dificuldades econômicas do país, não imaginava, até poucos meses atrás, que a extrema direita (com propostas liberais na economia e conservadoras nos costumes) pudesse chegar ao Palácio do Planalto pela via do voto popular. Muito menos imaginava que um candidato com discurso de caráter racista, misógino, xenófobo, homofóbico, autoritário e antiambiental pudesse vencer uma eleição presidencial no Brasil.
O quadro político foi reconfigurado já no primeiro turno, pois o centro político foi desidratado e as candidaturas de Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles(MDB), Marina Silva (Rede) e Álvaro Dias (Podemos) foram esvaziadas e obtiveram, juntas, menos de 8% dos votos válidos. A candidatura de centro-esquerda de Ciro Gomes (PDT) foi prejudicada por uma manobra de Lula e do PT que, ao impedir uma aliança PDT-PSB, gerou uma fratura na esquerda, que teve um alto custo na segunda rodada das eleições. Assim, a maioria dos votos foi para os extremos do espectro político, com grande vantagem para o radicalismo de direita.
O que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi o descontentamento com o sistema político e a generalização do sentimento antilulista e antipetista – José Eustáquio Diniz Alves
Não considero que a população brasileira seja consistentemente e ideologicamente reacionária e direitista. A maioria das propostas explicitamente conservadoras foram derrotadas em seis eleições presidenciais sucessivas, entre 1994 e 2014. As propostas de esquerda tiveram apoio de mais de 60% da população em 2002. O que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi o descontentamento com o sistema político e a generalização do sentimento antilulista e antipetista, sentimentos potencializados pelos erros de Lula e do PT. Vejamos os principais:
1) O lema “O Brasil feliz de novo” foi uma forma de hipostasiar o desempenho do governo Lula, quando na verdade o Brasil tem 37 anos de uma trajetória submergente. O país melhorou em vários aspectos sociais, mas comparativamente com a média mundial, com os países do leste asiático e até com vizinhos latino-americanos, tem diminuído de tamanho, em termos relativos. Estamos vivendo a segunda década perdida e passamos pela mais longa e mais profunda recessão da história republicana, e o PTsubestimou a mágoa e o ódio que a população sente pelas promessas não cumpridas e os sonhos que se transformaram em pesadelo;
2) As autocríticas do PT foram tímidas e vieram tarde, sendo que, depois de tantos escândalos de corrupção, o partido perdeu definitivamente a posse da bandeira da ética na política, que foi tão importante para a primeira vitória em 2002. Também, ao não rever o apoio à ditadura sanguinária e incompetente de Nicolas Maduro, na Venezuela, o PT perdeu legitimidade na defesa da democracia;
3) As alianças partidárias e sociais foram estreitas, pois ao contrário do primeiro turno das eleições de 2002, quando Lula convidou um vice (José Alencar) que era empresário e evangélico para ampliar a base social do partido, a aliança PT-PCdoB-PROS, em 2018, foi limitada e a vice Manuela D’Ávila não agregou praticamente nada a uma aliança mais ampla (pois o PCdoB é um aliado natural) e o PT deixou de conquistar outras bases, sendo que a derrota no eleitorado evangélico foi decisiva;
4) A demora em lançar Fernando Haddad como candidato, em nome do mito Lula, possibilitou a transferência de votos no primeiro turno, mas o lema “Lula é Haddad e Haddad é Lula” passou a ideia de um candidato teleguiado e controlado desde o cárcere. A ideia do “poste dois” foi interpretada como uma ofensa ao eleitorado e a candidatura Haddad não teve nem tempo e nem liberdade o suficiente para mostrar a que veio;
5) O PT não conseguiu construir uma frente democrática para unir as forças progressistas no segundo turno e nem deixou de lado a sua inerente tendência ao hegemonismo de esquerda.
Todos esses erros possibilitaram a eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro e deixaram o país à mercê de um programa econômico vago e de propostas de cunho antidemocráticas e antiambientalistas.
IHU On-Line – A equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro, apesar de recuos, tem manifestado a intenção de unir os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. A proposta gerou polêmica e a própria bancada ruralista se dividiu em relação a isso. Como o senhor vê essa proposta? Quais são seus aspectos negativos e positivos?
Unir os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, sob a liderança do primeiro, é unir o ‘Ministério da Raposa’ com o ‘Ministério do Galinheiro’ – José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves – Unir os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, sob a liderança do primeiro, é unir o “Ministério da Raposa” com o “Ministério do Galinheiro”, como disse o jornal humorístico Sensacionalista. Poderia até haver ganhos de curto prazo para o agronegócio, mas o meio ambiente sairia derrotado e, desta forma, no médio e longo prazos, todos perderiam, pois sem ECOlogianão há ECOnomia.
O Brasil, ao longo de sua história, destruiu, a ferro e fogo, aproximadamente 90% da Mata Atlântica. O Relatório Planeta Vivo 2018, lançado pela WWF, no final de outubro, mostrou que após 1970 o país destruiu 20% da Amazônia e 50% do Cerrado e este processo de desmatamento e destruição da vegetação natural pode atingir um ponto de não retorno, com consequências dramáticas sobre a população brasileira e mundial.
As ações de fiscalização do Ministério do Meio Ambiente sempre foram fundamentais para evitar o desmatamento e o avanço descontrolado da fronteira agrícola para abrir espaço para a ocupação das pastagens, das monoculturas e, também, da mineração. A implantação do Código Florestal não é incompatível com o aumento da produtividade nas áreas já disponíveis. O Brasil pode aumentar a produção de alimentos sem a necessidade de mais desmatamento e de mais emissões de dióxido de carbono.
IHU On-Line – Durante seu discurso de campanha, Bolsonaro defendeu “acabar com a indústria das multas”, propôs a venda das terras indígenas, retirar o Brasil do Acordo de Paris e, ainda, que o licenciamento ambiental seja feito em três meses. No setor de energia, propôs que cada região explore suas potencialidades, de modo que no Nordeste se invista em fontes renováveis como a solar e a eólica. Diante desse quadro, o que se pode esperar de um governo Bolsonaro acerca da agenda ambiental?
A agenda ambiental do presidente eleito é prejudicial não só ao Brasil, mas é uma ameaça ao planeta – José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves – A agenda ambiental do presidente eleito é prejudicial não só ao Brasil, mas é uma ameaça ao planeta. Reforçar a produção desregrada decommodities agrícolas e minerais pode transformar o país em grande emissor de gases de efeito estufa (GEE), agravando os efeitos do aquecimento global, que deve se voltar como um bumerangue contra o próprio Brasil. O governo Bolsonaro, tudo indica, deve reforçar o setor produtivo do agronegócio e da mineração, podendo, também, de uma forma ou de outra, favorecer as atividades dos grileiros, dos bandidos que se apossam das terras públicas e dos garimpeiros ilegais. As eleições de 2018 foram péssimas para as áreas protegidas da Amazônia. As terras indígenas e áreas de conservação – que funcionam como defesa contra a devastação da floresta e a defaunação – podem se transformar em uma nova fronteira para o latifúndio, a pecuária, a monocultura e a mineração. Os indígenas e os ribeirinhos dificilmente terão os direitos garantidos e poderão ser vítimas de uma integração forçada ao modelo extrativista que visa unicamente o lucro.
Uma aliança entre o Governo Federal e as frentes parlamentares do Boi (bancada ruralista), da Bala (bancada armamentista) e da Bíblia (bancada evangélica) pode gerar um holocausto biológico e o genocídio dos povos da floresta
Uma aliança entre o Governo Federal e as frentes parlamentares do Boi (bancada ruralista), da Bala (bancada armamentista) e da Bíblia (bancada evangélica) pode gerar um holocausto biológico e o genocídio dos povos da floresta. Afrouxar as multas ambientais e fazer vista grossa para o desmatamento é como repetir a política antiambiental do regime militar que visava “Levar os homens sem terra para as terras sem homens”. Só que neste momento de agravamento do aquecimento global, no qual a floresta amazônica corre o risco de se tornar uma savana, a “bomba-biótica” pode deixar de propagar umidade nas regiões centrais do Brasil e acelerar a liberação de CO2, que, por sua vez, deve elevar as incidências de ondas de calor, transformando a vida nos trópicos em um inferno. Vale sempre lembrar que o ecocídio é também um suicídio.
IHU On-Line – Jair Bolsonaro, desde a campanha, vem defendendo que o Brasil precisa ampliar a exploração de nióbio, considerando as reservas brasileiras. Como o senhor vê esse tipo de proposta? Quais os ganhos de intensificar esse tipo de exploração?
José Eustáquio Diniz Alves – Existe a lenda de que o nióbio é um tesouro gigantesco, capaz de transformar o Brasil em um país rico e de primeiro mundo. Evidentemente, isto não é verdade, pois nenhum país da dimensão do Brasil seria capaz de se sustentar com base em poucos produtos fornecidos pela Mãe Natureza. Como disse Adam Smith, em 1776, o que faz a riqueza de uma nação é o trabalho. Os países ricos são aqueles que contam com uma ampla rede de trabalho produtivo e uma população educada e com alto investimento em ciência e tecnologia.
A dita salvação pelo nióbio é a atualização do mito do Eldorado, que sustenta o sonho da riqueza fácil, presente nas colônias de exploração. Foi assim quando os bandeirantes portugueses descobriram ouro e diamante nas Minas Gerais. De certa forma, foi assim também nos governos petistas, que viram no pré-sal um “passaporte para o futuro” e um “bilhete premiado”.
Os ciclos de exploração mineral e natural podem enriquecer alguns, mas não sustentam um projeto de nação – José Eustáquio Diniz Alves
Os ciclos de exploração mineral e natural podem enriquecer alguns, mas não sustentam um projeto de nação. O extrativismo – tanto de direita, quanto de esquerda – não é a solução mágica para o progresso do Brasil, especialmente nestes tempos de degradação ecológica e de um horizonte marcado pela possibilidade de um colapso ambiental.
IHU On-Line – O Congresso teve a maior renovação política desde as eleições de 1989. Considerando o quadro de candidatos eleitos, que tipo de propostas e posicionamentos é possível esperar do Congresso em relação à agenda ambiental?
José Eustáquio Diniz Alves – Ainda não está claro qual será a agenda ambientaldo próximo Congresso, mas pelo perfil dos eleitos e pelo nível do debate durante a campanha eleitoral, não dá para esperar muita coisa boa. A conjuntura não é a melhor nem para os Direitos Humanos e nem para os direitos ambientais ou o direito dos animais.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
José Eustáquio Diniz Alves – O aquecimento global é a principal ameaça ao bem-estar da humanidade. Negar as mudanças climáticas é um risco que não vale a pena correr. O Acordo de Paris é insuficiente para evitar um desastre climático. Mas a solução não é romper com a governança global, e sim aprofundar as medidas para conter a emissão de gases de efeito estufa (GEE).
O mais recente relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no dia em que o Brasil foi às urnas no primeiro turno das eleições de 2018, considera que os esforços para limitar o aumento médio da temperatura global a 1,5º Celsius (como estabelece o limite inferior do Acordo de Paris) exigirá “mudanças sem precedentes”. Sem tergiversação, o relatório diz que cada fração de um grau no aumento da temperatura realmente importa e deve ser levado em consideração imediatamente.
Uma temperatura global acima de 1,5ºC, em relação ao período pré-industrial, poderá ter efeitos catastróficos para os ecossistemas, a biodiversidade, a produção de alimentos e para o modo de vida rural e urbano de toda a população mundial. Manter a temperatura global abaixo de 1,5ºC reduziria significativamente o risco de eventos climáticos extremos e severos, particularmente as ondas de calor, diminuiria a escassez de água potável, evitaria a elevação do nível do mar a patamares catastróficos, impediria o naufrágio do delta dos rios, diminuiria o processo de acidificação dos oceanos e o branqueamento dos recifes de corais etc.
Segundo o IPCC, o mundo tem apenas 12 anos para evitar um colapso ecológico, pois para que a meta mais ambiciosa de 1,5°C seja atingida, as emissões de gases de efeito estufa pelas atividades antrópicas teriam que ser reduzidas, em relação aos níveis de 2010, em cerca de 45% até 2030, chegando a zero por volta de 2050. Mas há pesquisadores que consideram que o lapso de tempo necessário para reverter o quadro do aquecimento global é ainda mais estreito. Segundo artigo de Christiana Figueres e outros importantes cientistas, publicado na prestigiosa revista científica Nature, em 2017, o tempo para evitar uma catástrofe climática é mais curto e precisa ser revertido, no máximo, em três anos (portanto, antes de 2022).
Terra Estufa
Outro importante artigo publicado nos anais do PNAS [Proceedings of the National Academy of Sciences], em 2018, liderado pelo cientista Will Steffen, mostra que o Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário capaz de tornar irreversível o rumo em direção a condições muito mais quentes, chamado “Terra Estufa”.
Se o Brasil aumentar as suas emissões de GEE, a possibilidade do fenômeno “Terra estufa” se torna ainda mais real. O tempo é curto e a responsabilidade é grande. Perder os próximos quatro anos pode significar perder uma oportunidade histórica para tentar salvar o equilíbrio homeostático do clima e garantir um futuro minimamente confiável para o ser humano e os demais seres vivos do Planeta.
Republicado do site EcoDebate, 12/11/2018, publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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